Me visitam

outubro 06, 2016

Eu não escrevo, eu não consigo mais escrever sobre o que acontece, eu nem sei se sinto algo, é como se estivesse sendo alvejada por todos os lados e estivesse apenas esperando  o tiro fatal, eu ainda acompanho com os olhos e quem sabe com o corpo o movimentos do som, mas eu não tenho mais fé na minha sobrevivência,
Passo o dia tentando me explicar, passo o dia tentando arrancar humanidade de quem não consegue ter empatia, passa o dia e eu chego em casa e só quero olhar para o teto e esquecer que não vale mais a pena. Eles vencem roubando o jogo, todos estão vendo, não há pudor, o odio possui seguidores fieis e vale muito, eles apontam pra nossa cara e riem da ética que tratamos com eles, eles matam porque não tem mais espaço pra todos, eles não escondem seus interesses em guerras santas ou ideologias vazias, o mercado pede, eles dão.
Caminho cabisbaixo pela rua, alguém vem em minha direção e grita para que saia do seu caminho, não acredito que estamos vivendo isso, não quero mais, eles dizem que é assim mesmo que tem ser, eles acham que temos que ficar silenciados, que até podemos ficar aqui desde que aceitemos seus acordos espúrios e sua violência institucionalizada, estão matando nosso cachorro e pisando nossa flores, Kafka ou Dostoiévski não teriam imaginado cenário tão distópico.
O que fizemos de errado? Onde foi que desistimos? Alepo, Bagdá, Sarajevo, a faixa de Gaza, seguimos ocidentais demais para não nos acharmos responsáveis por suas mortes, seguimos fingindo nossa civilidade, mas o sistema prisional, a guerra as drogas, o aborto clandestino, estão aqui batendo nossa porta e mostrando que agora é nossa vez de sentir a seletividade da justiça e dos justiceiros. Não estamos preparados, não saberemos lidar novamente com os anos noventa e toda austeridade prometida, não queremos ficar de fora da festa consumista que nos prometeram, não será fácil, não vai ser um festa armada com muitos camaradas barbudos denunciando a exploração capitalista nas portas de fabricas, eu romantizei o velho golpe de 64 como sendo um golpe da mentira, do que estava escondido e precisava ser denunciado, mas pra dar golpe não precisa de mentira, a maioria das pessoas sabem o que está acontecendo, elas querem se manter como peças do sistemas, não há denuncias a serem feitas, quando essas denuncias chegam na justiça eles mudam as leis, porque eles podem, não sobreviveremos.


Nós vos pedimos com insistência:
Nunca digam - Isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia,
Numa época em que corre o sangue
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza
Não digam nunca: Isso é natural
A fim de que nada passe por imutável.