Eu sou uma insatisfeita, quem sabe isso me defina mais do que tudo, mas isso define qualquer ser humano vivo, eu acho. Eu fico triste e não sei compartilhar sentimentos, me apego a qualquer sinal de atenção e afasto qualquer possibilidade de toque físico.A pandemia me ajudou muito nisso, eu tenho a desculpa perfeita pra ser carente e intocável, tem dias que não gosto de ser eu, mais dias do que gostaria.
Antes da pandemia eu decidi que queria me abrir pra um relacionamento, eu procurei alguém que eu ja conhecia e fiz o que eu achei que era o mais sensato, eu fui direta, mas acho que essa não maneira certa, essa pessoa me disse que essas coisas deviam fluir, eu acho que as coisas são objetivas e voce da desculpas como essa quando não quer machucar alguém com um NÃO bem sonoro. Eu sobrevivi, eu parei de culpar a mim mesma por estar sozinha, entrei num movimento de busca de afeto, me convenci que estava dando o meu melhor, mas o mundo é injusto e cheio de privilégios que eu não tinha essas coisas que estão escritas em vários livros em muitas estantes e que a gente ignora muito rápido em troca de um borboletear gástrico.
Seguindo na pandemia meu afeto todo direcionado para politica, pela dor coletiva, o luto, o ódio a Bolsonaro, a politica é meu escape perfeito a anos, mas eu estou cansada, que quero ser desejada, essa é a base psicológica do ser humano judaico cristão ocidental, eu quero querer alguém e que esse alguém me queira da mesma forma, no amor algoritmo dos anos 20 a gente faz um busca em aplicativos de encontros e espera ser tocada, não acontece todo dia, nem que voce pague alguns beneficios no cartão de creditos e descubra que 1200 criaturas solitárias disseram sim sem perceber que voce tem mais filtros na alma do que na cara, 1200 pessoas e ninguém que fizesse o coração acelerar um pouquinho com um emogi amarelo de dentes largos.
Março rejeição e pandemia, Abril superar mentindo pra mim mesma que aquela pessoa na verdade ficou com medo da pessoa maravilhosa que eu sou, Maio brigar pelo sus, Junho chamar os familiares de assassinos porque votaram num genocida, Julho sentir e felicidade de não ter que sair e encarar a realidade de um mundo com ódio reciproco, Agosto é Agosto ele só existe e voce sucumbe.
SETEMBRO e os ventos primaveris, uma pessoa surge e aceita seu contrato de distanciamento, uma resposta a cada semana, um bom dia despretensioso aleatoriamente, conversas diarias reduzidas a palavras nem sempre bem entendidas e nenhuma intimidade, Outubro e ja abandono o tinder porque minha carência diária é suprida com um desconhecido dizendo eu importo de alguma maneira fria e distante, Novembro e os enfeites de natal, passeios de mascara, explicar que não há desconforto em não tocar nada e nem ninguém, higienismo e sobrevivência, Dezembro e as festas e as pessoas e suas provas de amor, aniversários e bolos, medo do vírus, medo de rever pessoas, medo de ser obrigada a existir enquanto presença.
Janeiro 2021, a desgraceira acontece, alguém cede a vulnerabilidade, não sou eu é claro, mas depois disso o portal é aberto e não fecha mais, a queda é livre, eu vou te salvar, voce não precisa que eu te salve, não se trata de uma pessoa, trata de um sentimento, a fome,
a necessidade, o estar vivo passa por um sentir, voce não tem culpa, eu acho que estou te salvando, mas vou te afogar no meu desajeitado processo de provar que estou viva. Existe algo, entre tanta opção, existe algo exclusivamente em você, um espelho que a falta de intimidade ainda não quebrou, o que amo em mim projetado em voce, voce não sabe, mas minhas garras, tentáculos, conexões nervosas te envolveram, voce vai fugir e eu vou me alimentar de dor, o eterno retorno,
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